domingo, 30 de maio de 2010

NÃO TIVE TEMPO PARA DECIFRAR ANTES


NÃO TIVE TEMPO PARA DECIFRAR ANTES

Ontem, na televisão, falou-se muito sobre o catolicismo, porque hoje é sexta-feira da paixão.Numa das reportagens, alguém traduziu o termo: "AGNUS DEI"

Isso me fez lembrar de um sonho muito nítido que tive, quando meu primeiro filho estava com sete anos e havia entrado para a escola primária.
Sentia-me culpada por não poder leva-lo e busca-lo, justamente porque era esse o meu grande desejo.

Quase na hora de me levantar pra trabalhar, sonhei com ele pronto para ir para a escola. Nas suas costas, ele carregava uma mochila preta e lisa. Eu, parada atrás dele, observava atentamente o que estava escrito na mochila.
Com letras grandes, bordadas com linha cor de laranja, e com brilho de cetim, estava escrito: "AGNUS DEI"

Ao acordar, contei o sonho pra ele, e ainda fui capaz de perguntar-lhe se ele sabia o que significava isso. A resposta só poderia ser: __Não sei não...

Fiquei preocupada com aquilo e perguntei todos no meu trabalho. Ninguém sabia.
Quando voltei pra casa, lembrei-me que esse termo só poderia vir do latim, porque nas missas de antigamente, o padre falava sempre essa frase, e logo em seguida colocava as mãos postas. Coisa ruim não podia ser.

O gostinho de levar filho pra escola, eu nunca tive. Mas na reportagem disseram que, AGNUS DEI, significa: "ENTREGUE A DEUS"
Meu filho sempre estudou em escola pública, com muita dificuldade, mas sempre esteve nos primeiros lugares.

Ele que sempre quis ser cientista, formou-se em biologia na UFMG; e hoje, está fazendo pós-doutorado. 
À mim, resta dizer para ele e para o caçula: AGNUS DEI !!

06/04/2007

sábado, 29 de maio de 2010

O BEIJA-FLOR DE LATA



O BEIJA-FLOR DE LATA

Era domingo por volta das dez da noite. Fez-se um barulho, como se um avião estivesse pousando sobre o teto. Fui até a varanda da casa da minha mãe. A poucos metros do chão, aquele helicóptero da polícia atravessou a nossa rua, indo se posicionar sobre a rua paralela, bem na nossa frente.

Minha irmã já estava no alpendre. A outra chegou assustada, enquanto minha mãe apareceu na porta da sala, apoiando-se no portal e perguntando se não havia o perigo daquilo cair sobre as casas.

Meu irmão caçula, até sentou-se numa cadeira para assistir melhor. Meu filho mais velho chegou, pedindo que saíssemos todos dali, alertando nervosamente sobre o perigo de bala perdida.

Várias luzes piscavam naquele pequeno avião, enquanto ele dançava no ar, rodando violentamente em torno de si mesmo. O barulho que ele produzia era alto e ferramentoso, parecendo um trator, ou aquelas geringonças que aparecem em filmes de ficção, quando um cientista coloca a sua máquina do tempo para funcionar.

Na parte dianteira, acendeu-se um grande farol. Tornou-se a atração da noite! Estranho...

Minutos antes, havíamos ouvido alguns disparos. Ele veio buscar algum executivo da hierarquia das drogas.

Aquela luz intensa passava pela varanda, enquanto ele rodopiava enlouquecidamente. Num certo momento, ele virou de cabeça para baixo, para focar os fundos de uma casa.

Parecia bicho doido... parecia que ia mergulhar ali. Fuçava como um tatu.

Parecia um dragão, soltando fogo pelas ventas.
Enquanto isso, certamente lá embaixo, alguém se escondia como um rato.

Isso durou quase uma hora. Num certo momento, ele se abaixou ainda mais, e por alguns segundos conseguiu ficar parado no ar...
Ficou até silencioso...

Parecia um beija-flor. Um beija-flor gigante. Um beija-flor de lata!

12/03/2006

segunda-feira, 24 de maio de 2010

UMA FITA CAÍDA NO CHÃO



UMA FITA CAÍDA NO CHÃO

No final dos anos 90, num sábado, eu fui ao centro de Belo Horizonte, para comprar um CD de valsa de Strauss. Depois de entrar em várias lojas, encontrei o que queria.
Ao testa-lo, ficou visível para o balconista, o quanto ele ela importante pra mim.

Quando cheguei em casa, ouvi aquelas sete músicas, muitas e muitas vezes.
Aí, comentei com meu filho, sobre o meu irmão Ninico, que tinha o costume de assobiar essas valsas, enquanto passava brilhantina nos cabelos, penteando-os e se olhando num pequeno espelho, que ficava pendurado na sala. Ele era muito vaidoso, e ficava um tempão ali, dando até para assobiar a música inteira.

Imaginei a felicidade dele, ao ouvi-las.

Poucos dias depois, numa tarde, eu ouvi a voz dele lá no alpendre da casa da minha mãe, que fica ao lado da minha. Coloquei o CD pra tocar, e fui lá.
Quando o avistei, ele já estava se levantando da cadeira, e antes de me cumprimentar, disse assim: __De onde vem essa música?
__Eu disse que havia colocado pra ele.

Ele me acompanhou e ficou de pé, na frente da estante, olhando fixamente para o aparelho de som, ouvindo... emocionado!

Eu saí devagarinho, para deixa-lo viajar naquela trilha, indo sentar-me num banco, no quintal.

Depois de ouvir tudo, ele saiu pela porta da cozinha, aproximou-se de mim, e disse:
__Ô Maria... é tão bonito, que a gente não sabe se ri, ou chora! __Sua voz se embargou!
Ele apertou a minha mão, falando assim: __Muito obrigado pela música... depois eu volto, para ouvir mais.

Assim que ele foi embora, eu fui numa lojinha do bairro e comprei uma fita K7. Gravei nela, todas as valsas. Fiz uma legenda caprichada e coloquei na capa. Peguei um papel e fiz uma dedicatória carinhosa, colocando-a na contra capa.

Me senti realizada...

Poucos dias depois, quinze de abril, ele viria para o aniversário da minha mãe. Aí então, eu lhe entregaria a fita.

No dia seguinte, eu peguei uma flanela para limpar a estante. Antes que eu chegassse até ela, numa distância de um metro mais ou menos, vi aquela fita cair no chão, separando capa... fita... dedicatória.
Assustadíssima por não ter tocado em nada, eu me abaixei... e constatando que nada havia se quebrado, pus tudo dentro da capa novamente, e me levantei.
Aí, senti um aperto no coração... um sufôco... Chorei!

Meu filho, ao ouvir o barulho, aproximou-se. Contei-lhe tudo, e ele , para me consolar, disse assim:
__Preocupa não... não vai acontecer nada.

Guardei-a novamente. Não tive a coragem de telefonar-lhe, para não dar força ao meu pressentimento. Era preciso ter atitude positiva... afinal, em menos de uma semana, nos encontraríamos.

No dia 14 de abril, minha irmã ficou preparando a festa. O bolo, ela deixou pra confeitar à noite, o que terminou, quase três da madrugada.
Eu fui dormir, altas horas.

Antes das seis, acordei com o barulho de vozes, na minha porta da cozinha. Era minha irmã que mora em outro bairro, conversando com o meu irmão caçula. Abri a porta...
Eles me contaram, que Ninico havia morrido naquela madrugada.

Meu coração, ficou rasgado!

Naquela mesa, um bolo grande e bonito... rodeado de doces e salgados... enfeites coloridos...
Na nossa alma, um amargo profundo... da dor mais doída do mundo!

Quando minha mãe assimilou a verdade, seu rosto foi ficando com uma forte expressão de derrotada, enquanto ela editava esta frase:
__É... é o meu presente de aniversário!

Meu cunhado nos levou lá. Revezou, para não deixarmos nossa mãe sozinha em casa.

Eu peguei a fita do Strauss, coloquei na bolsa e levei comigo.
Passei quase o tempo todo, acariciando o rosto dele, que parecia estar dormindo. Quis sentir com minhas mãos, a sua temperatura. Beijei seu rosto, e pousei minhas mãos sobre as dele, como se pudesse esquenta-las novamente.

Depois, pus a fita do Strauss nas mãos dele, e falei ao seu ouvido:
Eu gravei as suas músicas com muito carinho... leve-as... são suas!

Eu o acompanhei até o momento derradeiro!

27/01/2010

sexta-feira, 21 de maio de 2010

CHACOTA



Dona Olímpia Cota

CHACOTA

Antigamente a Dona Olímpia Cota perambulava pelas ruas de Ouro Preto, cheia de balangandans pendurados na roupa que usava. Na sua saia longa e muito rodada, havia canecos de alumínio, que se chocavam uns aos outros, a cada passo que ela dava; no tilintar de um sino, anunciando a sua chegada!

Era uma louca inofensiva. Ou talvez nem louca fosse. Quem sabe, tinha a alma de artista, sedenta para subir num palco e estravasar, exorcisando as muitas Olímpias que haviam dentro dela?

Sob as amarras daquela época, e aprisionada no meio de tantas montanhas de preconceito, ela ia buscar naquelas ladeiras estreitas, a sua platéia dispersa...

Era um prato cheio, para a maioria dos estudantes que moravam nas repúblicas, cujo lazer era debochar de todos que por ali passavam, chamando a atenção para si mesmos... e se esbaldando numa tremenda falta de ética.

Porém, quando o turismo foi tomando força naquela cidade, a Dona Olímpia Cota foi citada várias vezes na televisão, como um "ser" muito importante na história daquela cidade.
Até pedra eles jogavam nela.

20/10/2005

terça-feira, 18 de maio de 2010

COTONETE É CHIQUE DEMAIS



COTONETE É CHIQUE DEMAIS

No primeiro pensionato que morei, conheci a Ivonete. Ela dormia no mesmo quarto que eu . Era uma cabocla baixinha, que veio da Bahia, onde deixou os seus familiares.

Contava histórias mirabolantes, difíceis de alguém acreditar.
Lá ela ganhava a vida como empregada doméstica, mas em Belo Horizonte, queria tentar um serviço melhor. Estava desempregada e o dinheiro que trouxe já estava acabando.

Num dia, ao sair para procurar emprego, ela conheceu um rapaz feio demais, que tinha 45 anos. Ela, 19. Começaram a namorar. Ele fazia promessas de oferecer uma vida melhor pra ela, porque ele ganhava muito bem, era solteiro e morava com sua mãe.

Cada vez que saiam, os gastos eram tanto, que ela ficou deslumbrada. Com certeza, aquele era o amparo para a sua vida. Ele dizia estar muito apaixonado e não media esforços para agrada-la.

Num dia, ele a levou numa loja para comprar vestidos. Chegando lá, a Ivonete ficou maravilhada com as camisolas lindas que viu, e comprou umas oito, todas longas e bonitas. Uma delas era com estampas de oncinha e tinha alças pretas.
Ao falarmos que essa parecia mais um vestido, ela gostou; dizendo que no próximo jantar, iria usa-la.

Enquanto admirávamos as inúmeras peças, a campainha tocou. Era o pessoal de um supermercado, fazendo a entrega da compra que ele pagou pra ela.
Como uma criança, ela correu até a porta. Ajudamos colocar para dentro, inúmeras caixas de papelão, que pareciam não caber naquele quarto.

Cada caixa que ela abria, tinha biscoitos e balas de várias espécies. A emoção dela era grande demais. Dizia que tudo estava à nossa disposição, e afirmava que era a sua primeira compra num supermercado.
Sentia-se muito grata àquele namorado que lhe havia proporcionado esse momento maravilhoso.
As três últimas caixas grandes que ela abriu, estavam abarrotadas de cotonetes.
Uma de nossas colegas exclamou: __ Pra que tudo isso? Dá pra limpar os ouvidos de toda a torcida do Atlético, e ainda sobra! Rimos muito...

Aí ela explicou, que durante toda a sua vida, o que mais lhe chamava a atenção nos carrinhos dos supermercados, eram os cotonetes que sempre ficavam por cima de outras mercadorias.
Ela disse que quando olhava para aquelas senhoras diante de um caixa, achava-as muito chiques, porque até cotonete elas tinham podido comprar.

No sábado à noite, Ivonete colocou aquela camisola de oncinha, se maquiou e colocou um par de brincos enormes. Calçou uma sandália de salto e saiu toda sorridente para esperar seu príncipe no alpendre.

Foram jantar num restaurante à beira da lagoa da Pampulha, cujo parque de diversões ficava logo em frente. Naquele jantar, eles iriam conversar sério sobre o futuro. Aquele homem estava realmente apaixonado por ela.

Porém, passava da meia noite, quando Ivonete entrou chorando desesperada naquele quarto. A sua roupa de oncinha estava toda rasgada. Seu rosto arranhado e seus cabelos crespos com todas as pontas pra cima, faziam dó...
Seus pés descalços mostravam seus dedos livres, esparramados e sujos.
Um pé da sandália, ela trazia agarrada na mesma mão que segurava sua roupa, tentando esconder seus seios.
A outra mão segurava sua bolsa preta, cuja alça arrebentada, lambia o chão do nosso quarto. O outro pé da sandália, ela havia perdido pelo caminho.

Talvez na abóbora da Cinderela, que dessa vez havia se transformado num camburão da polícia militar, que a trouxe de volta pra casa.

Depois de muito choro, ela conseguiu contar que, assim que o garçon serviu a mesa, ela sentiu um imenso bofetão nas costas. Era a mulher do seu namorado, que lhe batia sem parar, jogando-a no chão.

A polícia foi acionada, levando aquele homem e sua mulher para a delegacia.
Sendo generosos com a Ivonete, os policiais levaram-na pra casa, sem que ela parasse na delegacia, para depor.

03/11/2005

domingo, 16 de maio de 2010

PERSONAGEM CONVINCENTE


PERSONAGEM CONVINCENTE

Numa noite, ao chegar do trabalho, juntei um monte de roupa pra passar. Meu primeiro filho tinha três anos e brincava sozinho no chão, perto de mim.
Fiquei emocionada ao ve-lo festejar a vitória de ter ganhado naquele joguinho de peças coloridas, quando o adversário era ele mesmo.

Larguei o ferro de passar, e sentei-me ao seu lado, dizendo que iríamos brincar juntos. Ele ficou muito feliz e me passou algumas pecinhas.
Eu quis agrada-lo ainda mais e lhe disse que naquele momento, eu tinha apenas quatro anos e era a sua irmãnzinha.
Ele olhou no meu rosto e deu gargalhadas, ao ver-me fingindo que mascava chicletes.

Alguns minutos depois, quando eu já estava gostando do brinquedo, ele parou de brincar e ficou olhando muito sério pra mim.
Aí disparou a chorar, gritando: __Se voce é minha irmãnzinha, cadê a minha mãe? Eu quero a minha mãe! Eu quero a minha mãe!!
__Eu só consegui convence-lo que era a sua mãe, quando fui enérgica com ele.

12/06/2006

terça-feira, 11 de maio de 2010

LUZIA MINHA FILHA... ACHO QUE FOI PECADO!


LUZIA MINHA FILHA, ACHO QUE FOI PECADO...

Em Julho de 1961, nos mudamos da Rua Wenceslau Brás, para a rua do Catete, perto da Igreja da Sé.
À tarde, quando a casa já estava vazia e cada um conferia se não havia se esquecido de nada pelos cantos, eu fiquei sozinha no passeio, vendo o caminhão sumir no fim da rua, levando a nossa mudança. A rua deserta causou-me amargura, fazendo-me continuar parada ali, até no momento que papai trancou aquela porta para sempre.

Assim eu não enfrentei a emoção de olhar para aqueles cômodos vazios, nem para o fogão a lenha que havia sido restaurado pelo irmão de minha avó, que veio lá da roça, só para faze-lo com o maior carinho; e nem para o quintal, agora, silencioso das nossas brincadeiras.

Procurei me animar, lembrando-me que iríamos começar uma vida nova em outra casa, onde não haveria tantas lembranças tristes. Dessa forma, eu fui ingrata com o nosso quintal, não me despedindo dele, nem agradecendo-o por ter sido a nossa floresta, e o nosso parque de diversões, proporcionando-nos muitas alegrias e inúmeros tipos de frutas, que nos obrigavam a cometer aventuras emocionantes, para captura-las nos pés.
Eu havia nascido ali...

Estava anoitecendo. Minhas duas irmãs mais velhas foram a pé mesmo. Os quatro irmãos estavam no trabalho e à noite já chegariam no outro endereço. Éramos dez, sendo cinco homens e cinco meninas. Minha mãe estava de resguardo do meu irmão caçula, e papai arrumou um Buick preto, para leva-la.
Nesse carro, mamãe foi no banco da frente, carregando o recém nascido. No banco de trás, foram: papai, Jane, que tinha cinco anos, eu com dez, e minha irmã, de doze anos.

Minha avó estava em Ouro Preto, onde permaneceu por mais uma semana. Parecia até que estávamos mudando de cidade.
Quando chegamos na casa nova, que felicidade! Aquele cheiro de tinta fresca... era tudo diferente.

Ali não tinha quintal, mas tinha uma escada de madeira que compensou um pouquinho. A casinha tinha dois andares. O chão não tinha buracos, e era taqueado. Na parte de cima, o piso era de tábuas bonitas, que ainda guardavam um resto de brilho da cera do inquilino anterior.

Nessa primeira noite não tinha luz, porque a usina só iria liga-la no dia seguinte.
Dormimos no chão, porque estava escuro para armarem as camas. Também a felicidade era tanta, que se tivesse luz, talvez eu nem dormisse, porque passaria a noite, observando cada detalhe da casa nova.
O cheirinho de óleo dos portais me inebriou, fazendo-me dormir mais depressa, para que o dia amanhecesse rapidamente.

Ali tudo parecia mais colorido, mais claro, mais alegre. Era porque as lembranças ruins, haviam sido trancadas na rua Wenceslau Brás.

Alguns meses se passaram e minha mãe teve mais um filho. A minha avó quis escolher o nome dele, dizendo que seria Jeová, para ver se ele teria mais sorte que os outros sete, que haviam morrido quando cada um tinha dois anos, mais ou menos. Lembro-me dela comentando, que não poderia batiza-lo com o nome de Jesus, porque seria sacrilégio.

Pertinho de nós, o padre Avelar construiu um colégio bem grande, e o colocou pra funcionar, antes mesmo da construção terminar.
Duas das minhas irmãs mais velhas, estudavam lá, na mesma sala. Eu iniciava ali, o curso preparatório, para me ingressar no ginasial. Estudávamos à noite.

Meu irmão mais velho havia se casado, muitos meses antes.
Brincávamos na rua, com a nossa vizinha Vânia, que regulava idade comigo.

O meu irmãozinho jeová, estava com cinco meses e ele era pálido... pálido... desde que nasceu.
Ele ficou meio doentinho. Eu, para me proteger, passei a brincar mais ainda na rua, jogando peteca com a Vânia, ou mergulhada num joguinho de "ludo" que ela tinha. Eu queria fazer vista grossa para a situação, não prestando muita atenção nele.

Depois do almoço, eu e ela estávamos no passeio, quando ouvi a minha avó chamar... era mais ou menos uma hora da tarde. Ela me recomendou que era para eu ir fazer companhia para a minha cunhada, porque a qualquer momento, ela sentiria as dores do parto. Nesse instante então, eu deveria voltar correndo e chama-la, porque ela é que iria ser a parteira.

Eu fiquei lá até quatro horas. Minha cunhada não sentiu nada. Minha aula no Ginásio começava seis horas... foi aí que me despedi dela, porque dali a pouco, meu irmão chegaria do trabalho.
Voltei por um atalho, onde o capim e outros matos, tinham a altura de uns dois metros.

Quando me embrenhei ali, já senti um grande perfume de rosas. Segui o seu rastro...
Qual foi a minha surpresa... encontrei uma árvore, acreditem... uma árvore abarrotada de cachos de rosas. O peso dos cachos eram tanto, que a árvore ficou arredondada, como se fosse um enorme abajur. Via-se poucas folhas e muitas, muitas rosas, que iam até quase no solo.

Olhei aquilo, sem entender direito... nunca tinha visto uma árvore de rosas. Nunca tinha ouvido falar de tal maravilha. Meu coração bateu mais forte. Entrei dentro dela. Parecia que eu estava entrando num salão perfumado e decorado para uma festa. Olhava tudo, apalpava o tronco não muito grosso, procurando diferenciar onde estava o tronco de outra árvore que serviu-lhe como esqueleto, mas tudo estava interligado. Desisti dessa lógica e saí dali de dentro, para apreciar ao redor, sentindo aquele perfume inebriante.

Lembrei-me que precisava ir pra casa, por causa da escola. Então, peguei no meu vestido para não machucar as minhas mãos, e fui colhendo aqueles buquês. Eram tantos arranhões, mas eu nem ligava. Fui colocando aquelas flores empilhadas no chão. Depois, abracei tudo, e sai dali, agradecendo-as em voz alta, porque aquele era um momento mágico.
Eram tantas, que eu quase não enxergava o chão.

Ao passar em frente da Igreja da Sé, eu entrei lá, e fui direto na imagem de Nosso Senhor dos Passos.

Reparti as minhas rosas com ele, colocando a metade, aos seus pés. Ficou lindo...
Ajoelhei-me abraçada ao meu buquê. Rezei um Pai Nosso, uma Ave Maria... pedi que ele desse saúde ao meu irmãozinho Jeová.

Enquanto eu rezava, fiquei prestando atenção na barra da túnica dele. Havia um barrado de fios dourados, entrelaçados... lindos!
Terminei a reza rapidamente, porque tive uma brilhante idéia: coloquei meu buquê no chão, peguei a túnica dele, levei a barra na minha boca, e comecei a cortar os fios dourados com meus dentes. Consegui tirar um bom pedacinho. Foi difícil, mas consegui.

Beijei a saia dele, peguei de volta o meu buquê que estava atrás de mim, e sai dali, com ar de vencedora... com o coração de quem encontrou o antídoto da vida... do milagre!

Fui depressa pra casa, e quando cheguei, a minha mãe fez cara feia ao me ver coberta de flores perfumadas. Ela tinha trauma de flores.Talvez eu devesse joga-las no lixo, mas eu peguei uma jarra branca, sextavada, que havia sobre a mesa, e coloquei-as ali dentro, completando com água, até onde foi possível. A sala ficou bonita e perfumada como ela só...

Aproveitei um momento raro que meu irmão Jeová ficou sozinho, e fui no tanque. Peguei um pedacinho de sabão de barra, amassando-o entre os dedos. Me aproximei dele, arredei as mechas de cabelo que cobriam a sua testa, e grudei ali, o pedaço de sabão. Por cima, colei com todo o cuidado, os fios dourados e milagrosos da barra da túnica do Senhor dos Passos.
Rapidamente cobri sua testa, com seus cabelos. Fiquei feliz... que só Deus sabe!

Tomei um banho rápido, sai apressada para a escola, porque já estava atrasada. Minhas irmãs já haviam ido.

Aquele era o meu segredo com Deus, Com o Senhor dos Passos, com a minha inocência.
Assisti a aula, tranquila.
Depois do recreio, no meio do terceiro horário, alguém bateu na porta. Logo que a abriram, um senhor disse assim: __ Tenho um recado para a Maria Auxiliadora! Pode pegar o seu material e ir pra casa agora, porque as suas irmãs já foram.

Levantei-me apressada, peguei meus cadernos e livros, e sai dali.
Andei dois quarteirões e cheguei em casa. A porta estava aberta, e ao entrar, já ouvi os gritos de choro das minhas irmãs, que foram se derreter no segundo andar.

Devagarinho entrei na sala. Lá estava o Jeová, descansando-se sobre a máquina de costura da minha mãe. A toalha branca mais bonita que havia na nossa casa, estava sob o corpinho dele. Eu me aproximei, passei a mão sobre o seu rosto e levantei a sua franjinha, para arrancar os fios milagrosos que havia plantado ali. Tentei tirar, mas estavam muito grudados. Eu tive a impressão de que se insistisse, iria machuca-lo. Espalhei as mechinhas, tampando tudo outra vez.
Minha mãe chorava desesperada, encostada na parede à direita. Minha avó, pousava a mão sobre o ombro dela, e tentando consola-la, disse essas palavras:
__Luzia... minha filha! Acho que foi pecado, eu colocar nele, o nome de Jeová!

20/12/2004

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"Eu passei dezenas de anos sem voltar na cidade de Mariana. Em Julho de 2004 eu estive lá e fui na igreja da Sé. Na túnica do Senhor dos Passos, ainda faltava o mesmo pedacinho que eu havia arrancado.
Voltei lá em Outubro do mesmo ano, e a roupa dele já havia sido restaurada."