quarta-feira, 21 de abril de 2010

DORES DA ALMA




DORES DA ALMA


Na década de cinquenta, era comum famílias numerosas.
Eu estava com quatro anos, tinha sete irmãos mais velhos, sendo quatro rapazes e três meninas. Abaixo de mim, havia o Afonsinho que tinha um ano e alguns meses. Antes, minha mãe já havia perdido dois meninos, com dois e três anos de idade.
Minha avó morava conosco e cuidava de nós como se fôssemos seus filhos.

Do segundo que morreu, minha mãe guardou um pedacinho do cabelo, como recordação. Toda vez que a saudade apertava, ela ia para o quarto, sentava-se na cama e tirava do criado mudo uma lata retangular. Com cuidado, pegava a mexinha loura, levando-a carinhosamente até a sua face, onde as lágrimas passavam correndo como uma enxurrada.

Estávamos muito felizes com o Afonsinho. Rostinho arredondado, cabelos castanhos... Ele era muito alegre. Fazia-nos rir demais. Quando minha irmã mais velha o levantava, segurando debaixo dos seus braços, ele chegava a gritar de tanta felicidade, cada vez que ela o movimentava de cima para baixo, fazendo vento no seu rosto. Esse vento fazia a camisolinha que ele vestia, parecer um balão.

Papai era risonho e falante, recitava versos dos grandes poetas, gostava de música clássica, do mesmo jeito que sabia valorizava qualquer folclore. Conversava muito conosco e comentava sobre os enredos das óperas, enquanto as ouvíamos no rádio. Era carinhoso com todos nós e tinha imensa paixão pelo caçula, o Afonsinho. Meu irmãozinho tinha do meu pai, não só o nome, mas também herdara a sua sensibilidade.

Todas as manhãs, papai ou minha irmã mais velha tinham que leva-lo no jardim que havia no quintal, para que ele pudesse deitar o seu rostinho numa flor chamada "madrugada", que era a sua preferida. Ao sentir o contato da flor no seu rosto, ele fechava os olhos e suspirava profundamente. Isso virou um ritual que todos nós assistíamos com emoção.

Chegou o dia em que, ao amanhecer, ele não pediu para ir ao jardim. Estava doente. Minha avó colhia folhas de chá e fazia de tudo, mas aquela febre não passava. Ao entardecer, todos nós já estávamos aflitos. Meu pai ainda não tinha chegado, porque depois do trabalho, ele ia jogar no bar, com os amigos.

Anoiteceu. Afonsinho não reagia. Parecia bem mais magro que naquela mesma manhã. Estávamos todos na sala, onde a minha mãe e minha avó apalpavam constantemente a testa dele, na esperança da febre ceder.

Era quase meia noite, quando papai apareceu na porta, chorando descontroladamente e trazendo na mão, uma "madrugada". Quando nos viu reunidos, ele olhou devagarinho para todos os cantos, como que com medo de deparar com a verdade. Ao ver Afonsinho doente nos braços da minha avó, ele se desesperou.
Com lágrimas escorrendo pelo rosto, contou que no caminho de volta pra casa, ao passar perto do jardim da estação de trem, uma "madrugada" curvou-se diante dele. Ao sentir um arrepio, ele apanhou aquela flor, e logo pensou no Afonsinho. Sentiu que aquilo representava um "mau presságio".
Terminado o seu relato, papai tomou o menino em seus braços e saiu desesperado, levando-o para a rua.

Minha avó continuou com a manta que o envolvia, vazia nos braços, enquanto mamãe gritava: Afonso! Afonso! O menino está sem agasalho...
Na nossa rua havia uma nascente, que se chamava "fonte da saudade". Papai era apaixonado por esse lugar. A água que ele bebia só podia ser de lá.

Sozinho, papai levou o menino até essa fonte, enquanto nós permanecíamos naquela sala, aos prantos. Ele foi lá, em busca de um milagre que pudesse salvar a vida do seu filho.
Poucos minutos depois, quando era exatamente meia noite, papai surgiu novamente naquela porta. Dessa vez, trazendo Afonsinho morto nos braços!

12/07/2004





3 COMENTÁRIOS:

Amapola disse...
CORREÇÃO: Do mesmo jeito que sabia VALORIZAR qualquer folclore.
Virgínia Allan disse...
Ai, Amapola... tão triste esta história... Chorei. Bem que a fonte podia ter operado um milagre, mas parece que era mesmo a vontade de Deus que Afonsinho fosse cheirar as flores madrugadas no jardim do céu. Beijo
Juliana Galante disse...
Amapola
todo dia corro aqui para ler mais um pouquinho da sua obra, a riqueza de detalhes e forma tão verdadeira com que você escreve me deixa completamente encantada... Mas o milagre aconteceu de verdade...Deus é o verdadeiro milagre, e Afonsinho a beleza que Deus escolheu para completar o milafgre do daquele dia...
beijos querida

ps: Sobre o padre, rs, fiquei com um problemão, afinal de contas que pecado uma criança tem? Dizer que falei palavrão era minha salvação...precisaria encontrar outro pecado...rs

24 comentários:

  1. _______________________________________


    ...tão triste! Como a maioria das histórias que a vida oferece...
    Gosto de ler as suas memórias!

    Beijos de luz e o meu carinho...

    ________________________________________

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  2. Confesso a vc que me emocionou e muiiiiiiito.
    Ñ compreendo a morte amiga,fico bastante confusa quando se trata disso.Ñ temo a morte, mas tenho pavor de perder alguém que amo(puro egoísmo, é mais comodo ir antes de todos para q ñ tenha q suportar semelhante dor).
    Eu ñ entendo vc nascer,fazer parte de uma família e depois suportar a ida de uma aqui e outro acolá.
    Gosto de fazer parte da sua história amada.
    Beijos millllllll

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  3. Desculpa:Gosto de como compartilha a suas histórias amada.
    Beijos.

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  4. ' Amapolaa linda!
    to passando pra deixar um beijo grande, e pedir desculpas por ter sumido .. postei o motivo no meu blog!
    um maravilho feriado e fim de semana pra você!

    Um beijoo, grande!

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  5. Que história triste... Meu peito se confrangeu, qdo a li!
    Seu pai queria que um "milagre" mas Deus queria algo mais para seu irmãozinho!!!
    Talvez sua missão fosse ficar somente alguns anos na Terra...
    Quem conhece os planos de Deus?

    bjo no coração!!!

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  6. Preciso de tempo para verificar os seus blogues, o que tentarei fazer, mas estou
    numa fase complicada em que passo a vida
    nos médicos e a fazer exames e eles não
    querem que eu esteja muito tempo ao computador.Agradeço se ter registado no
    meu blogue, já fiz o mesmo neste.Desejo tudo
    de bom para si e iremos nos encontrando.
    Irene

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  7. Lindo post, porém triste! ameei'

    Passando pra agradecer o comentário no meu post do "Santo Daime"... Estou te seguindo agora, vi akii q nao tava te seguindo! tem basee?? rsrs'

    Bjinss... apareçaa...

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  8. Nossa, meus olhos lacrimejaram, que historia triste..
    É sua de verdade? Aconteceu isso mesmo?

    Nossa, se foi deve ter sido uma dor quanse inconsolável.

    Mas a vida é assim, ninguém parte de véspera, Deus sabe nosso tempo.

    Beijos e fique com Deus.

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  9. É totalmente verdade, amiga Priscila.
    Nesse dia, eu conheci uma dor que não tinha nome. Cada segundo daquele, eu assimilava o frio percorrendo a minha espinha dorsal, consolidando num grande arrepio... num aperto no peito... em um nó na garganta, indo explodir em intermináveis soluços!
    Isso não me impediu de comparar a minha dor, com a dor do meu pai, minha mãe, minha avó. Imaginei que pelo fato deles serem grandes, a dor deles era grandona também.
    Aí então, a dor deles se uniu à minha, e tudo que eu queria naquele momento, era vê-los sorrindo!

    Um grande abraço.

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  10. Dores da alma!E hoje particularmente como sei disto.! Perdi nesta segunda feira 19.
    Uma tia e uma prima, em um acidente na Br 262 já perto de Ponte Nova.O carro colidiu com um caminhão.Mas Deus salvou uma Bebê de um ano e outra criança de 9 anos.Sem arranhões nenhum. Bjs Edna

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  11. Nossa.. que triste, amiga. Eu imagino que até hoje a falta desse anjinho é grande.

    Quando eu perco alguém assim, o que me conforta é que um dia vamos todos nos encontrar novamente, quando chegar minha hora.

    Linda história, te admiro por ser tão vivida. Parabéns.

    Beijos.

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  12. Menina: agradeço a tua visita a este meu blog. contas uma historia triste, já passei por isso tudo irmão com um ano, pais e sogros, e quase todos os dias eu lido com a morte,já que sou eu que presido as cerimonias Fúnebres, mas todos nos passamos por essas situações,pois nos apenas somos peregrinos nesta terra a caminho da Pátria Celeste.
    A tenho outro blog com o seguinte Link: se quiseres visitar e o Seguinte: Silenciodosmeussonhos.blogspot.com

    Um Beijo
    Santa Cruz

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  13. Obrigado minha bela.
    Tenho q ser por razões necessárias.
    Um beijo minha linnnnnnnnda.

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  14. Lindo post. Mas muito triste. Essas histórias me emocionam muito. Sei o que é perder uma filha. Não é fácil. Embora saiba que a morte não existe. É apenas uma passagem para outra dimensão. Beijos, amiga, e fique com Deus.

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  15. Aii minha amiga. Que história triste.
    A atitude do seu pai, me faz lembrar o quanto a gente tem esperanças até a ultima gota que tudo de certo, que as pessoas que nos são caras sobrevivam. Imagino o desespero de todos com a passagem do Afonsinho.
    Mas quem somos nós pra mudar os rumos e roteiros de nossas vidas algumas vezes né amiga.
    Eu viajo quando leio tudo que voce escreve.
    Consegue nos prender, emocionar, fazer a gente refletir. Tudo uma experiência muito boa.
    Voce é demaisssssssssss minha amiga.
    Um grande abraço amadaaaaaaaaaaa!

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  16. No misterio do sem-fim equilibra-se um planeta. E no planeta um jardim e no jardim um canteiro no canteiro uma violeta e sobre ela o dia inteiro entre o planeta e o sem-fim a asa de uma borboleta.

    Cecília Meireles

    Feliz Noite........Beijos! M@ria

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  17. Olá amiga Amapola,
    Eu também sou o filho mais velho de sete irmãos, e felizmento estamos todos ainda por aqui.
    E o que se passou com passou com o Afonsinho foi o mesmo que se passou com o Luís Filipe, e desde daí fiquei a pensar porquê uma criança e não eu.

    um beijinho grande
    boa noite,
    José.

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  18. Passei querida para te deixar um beijo carinhoso e para te desejar um otimo fim de feriado!!!

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  19. Todas as perdas são punhais, mas a perda de um filho nada, nada comparável, corta fundo e cura nunca mais.
    Impressionante a sua desenvoltura de narrar os contos.
    Histórias tristes, sensíveis que nos leva a pensar
    que a vida por mais bonita que seja é de fazer arrepiar...

    O tempo passou, mas a gente retrata tudo isto como se agora fosse o sacrificante instangte da dor em despedida...

    Sem palavras

    Bjs
    Livinha

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  20. Bom diaaaaaaaa Amapola querida.
    É amiga, citei Kardec ali ao lado, de repente a gente joga uma semente né, e as pessoas as vezes lendo descobrem olhos com vistas diferentes, penso assim.
    Como voce, adoro as obras dele.
    Vim aqui deixar um abraço giganteeeeeeee pra ti, e desejar um lindo dia.
    Beijo amadaaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!!

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  21. Bom dia querida, tenho quase certeza que deixei um comentário aqui ontem, acho que não entrou e eu não vi. De qualquer maneira, reitero a mesma emoção...Foi lindo te ler...Bjs.

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  22. Que triste minha amiga Amapola, mas Afonsinho era tão especial que Deus levou ele logo. Para alegrá-lo no céu.
    Me emocionei...
    Que Deus esteja contigo.

    boa semana.

    bjos

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  23. Amapola Querida, quanta dor no peito de vocês! Quantas lembranças de perdas, de sofriemntos... não há dor maior que a perda de um filho. Acho que não!
    Seu pai tentou no último instante o milagre. "A espera de um milagre". Viu esse filme?
    O tempo de Deus não é o nosso. A hora de Deus não é a nossa. O relógio de Deus é outro e seu chamado é suave e belo. É a volta pra casa.
    Quem fica ainda que tenha fé não entende porque o Pai não deixa mais, não chama depois.

    Emocionante.
    A sua alegria e a sua dor contagiam.

    De novo: obrigada por dividir.

    vou indo mais um pouco...

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  24. Amapola: menina deixaste de escrever, vamos deixar as coisas tristes para trás e pensar no futuro ve se escreves umas coisa alegres.
    Um Beijo:
    Santa Cruz

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